Existe na cultura nacional, um preconceito romântico que tenta desvincular do rock a condição pop, ou de sucesso popular.
Rock é um estilo musical, enquanto que música pop implica na aceitação popular que um determinado estilo, seja ele o rock ou qualquer outro, usufrui.
O equivocado antagonismo rock x pop, presente na cultura musical nacional, é consequência da identificação deste com um outro antagonismo, onde há uma autenticidade latente: “underground” x “mainstream”. (“Underground”: quer dizer, literalmente, subterrâneo. O termo em inglês é utilizado para definir manifestações artísticas restritas a grupos pequenos e fechados sendo que, muitas vezes, as barreiras de restrição de tais grupos são defendidas de maneira xiita por seus integrantes, sejam eles artistas ou público; “Mainstream”: significa, também literalmente, corrente principal e se refere a tudo que tem aceitação massiva no mercado cultural). Aí, o rock seria, impreterivelmente, “underground” enquanto que o pop, consequente e inapelavelmente, seria “mainstream”. Tal identificação tem início durante a década de 1970, quando os roqueiros nacionais se assumiram marginais, no sentido de se posicionarem à margem dos mecanismos que garantiam aceitação popular.
O rock’n’roll tem suas origens ligadas à busca do atendimento de uma demanda, dentro da segmentação de mercado da cultura de massa, no pós-guerra: satisfazer as necessidades culturais do público jovem, assim como, anteriormente, as “race records” visavam atender as necessidades de consumo do público negro das grandes cidades, que ainda mantinham conexões com suas raízes rurais, ligadas ao “blues” do Delta do Mississippi.
O rock então, surge como um produto da indústria de entretenimento destinado ao público jovem. Se houve sucesso para alguns artistas, enquanto outros não tiveram o mesmo reconhecimento e tiveram seus nomes restritos a nichos e status “cult”, nunca foi causa e, sim, consequência dos acontecimentos.
Até meados da década de 1960, o rock era subcultura, manifestação alienada e delinquente para qualquer um que tinha preocupações artísticas “sérias”. Tanto que o público jovem de aptidões intelectuais se identificava com o “folk” e o “jazz”. Para o bem ou para o mal, tal condição foi suplantada pelos Beatles e por Bob Dylan, na ostensivamente decantada troca de influências entre o artista norte-americano e a banda inglesa. Foi onde, também, começou a vingar a mentalidade quixotesca que identifica fracasso comercial com qualidade cultural.
Os Beatles pairam unânimes como exceção, pois são apontados por especialistas como estandartes da criatividade artística e ostentam números de venda faraônicos. Seus limites musicais, por assim dizer, foram aglutinadores, o que contribuiu para a aceitação universal da banda. Os Rolling Stones, a título de comparação, já que são apontados como os eternos vices, possuem limites musicais engessados pela estética da Chess Records e, quando tentaram seguir os Beatles, foram enfadonhos. Mas foram, à sua maneira, assim como os Beatles, comerciais, ou seja, pop.
É engraçado como a aceitação de mercado subverte a lógica analítica da estética musical. Quando o grunge, que tem origem no “underground”, cai no gosto popular, no início da década de 1990, o hard rock afetado e de pretensões comerciais em sua estética, se recolhe a um nicho “underground”.
A não ser nas tendências musicais extremas, oriundas do “Heavy Metal” e do “Punk Rock”, tais como o “Black” e o “Death Metal”, o “Hardcore” e o “Grindcore”, por exemplo, qualquer tipo de rock é virtualmente comercial, ou seja, pode se tornar pop. Há preocupação com a estrutura melódica na música dos Beatles, do Black Sabbath, do Iron Maiden, do Nirvana e há, também, pontos de conexão ligando-os. Não é o fato de uma música tocar ou não no rádio ou na televisão ou, mais na ordem do dia, estabelecer recordes de visualizações na Internet, que a faz ter ou não qualidade. Agora, a excessiva exposição de nossos ouvidos a tal música pode, sim, torná-la enfadonha.
É indubitável que o sucesso alheio desperta inveja e, consequentemente, o ressentimento. Dizem que há um prato onde caranguejos vivos são postos para ferver numa panela e, logicamente, tentam escapar. Quando um alcança a borda, prestes a se salvar, os demais o puxam de volta, para a morte. É uma boa metáfora do ressentimento em relação ao sucesso dos outros. Se a música que eu gosto de ouvir não faz sucesso, é porque o que faz sucesso não presta.
Sendo o Brasil um país culturalmente desconexo da tradição anglo-saxã, a qual deu origem ao rock, este, dificilmente, terá sucesso popular permanente por aqui, assim como o rock composto a partir de elementos latinos, jamais terá a relevância mundial do original inglês. Neste sentido, é sintomático que as duas bandas nacionais, a atingirem certa proeminência internacional, pratiquem música extrema em inglês, além de se destacaram no circuito “underground”: Sepultura e Krisiun.
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Nelson Rodrigues, ao justificar os fracassos internacionais do futebol brasileiro, antes da conquista da primeira Copa do Mundo, em 1958, criou o conceito do “complexo de vira-latas”. Será que nós, roqueiros brasileiros, sofremos de um “complexo de vira-latas musical”? Não é de se duvidar pelo “frisson” quase orgásmico com que é saudada, por exemplo, em solo pátrio, a referência de um Kurt Cobain à banda Os Mutantes. Kurt que, entre outras coisas, pode ser lembrado pelo bizarro gosto musical que tinha.
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