O tecladista do Rammstein, o esquálido Doktor Christian Flake Lorenz, é mundialmente conhecido por sofrer nas mãos do vocalista Till Lindemann nas performances do sexteto industrial alemão: é posto em uma coleira e sodomizado em “Bück Dich”, cozido com lança-chamas em um caldeirão em “Mein Teil”, posto à força em uma banheira sobre a qual Till despeja algo que imita fogo líquido, e por aí vai.
Mas recentemente Flake mostrou que é mais do que um músico competente e vítima fácil do bullying performático do gigante Lindemann: mês passado ele lançou seu livro de memórias “Der Tastenficker – An was mich ich so erinnern kann” (algo traduzível como “O Fode-Teclas – sobre o que consigo me lembrar”, e à venda na Amazon alemã), que tem sido muito elogiado na Alemanha.
Contudo, o sucesso desse livro não tem muito a ver com sua banda – o Rammstein é apenas brevemente mencionado nas memórias de Flake como “um espetáculo gigante e vergonhoso”. Em entrevista do músico para o site laut.de, ele diz:
“Eu teria que falar com os outros antes. Talvez um dia escrevamos uma biografia da banda. O Rammstein não é só eu sozinho, há mais cinco pessoas também. E a minha visão da banda não é necessariamente a mesma dos outros. Claro, sou muito influenciado pelo Rammstein, e ele é uma parte imensa da minha vida. Mas o livro não é sobre o Rammstein, é sobre mim como pessoa.”
O grande fascínio que o livro tem exercido entre o público alemão é por retratar de forma cândida e positiva a vida na Alemanha Oriental. Por incrível que pareça, muitos alemães que viveram na época do muro de Berlim têm um estranho saudosismo – a chamada “Ostalgia”, “nostalgia do leste (“Ost” em alemão)”, por considerarem que a vida era muito mais simples antes da queda do muro e sem tanta influência do regime capitalista: Flake diz que pelo fato de a Alemanha Oriental se um Estado assistencialista, dava para viver bem simplesmente “vendendo brincos feitos com arame ortodôntico, andando aos solavancos pelo país em uma van pequena e tocando a música mais descontraída do mundo” – no caso de Flake, no Feeling B, a banda punk em que ele tocava com seu futuro colega de Rammstein, o guitarrista Paul Landers.
Flake é um personagem interessante, do tipo mais improvável de alcançar o sucesso que alcançou: quando criança, era gago e sofria bullying; na adolescência, além de tudo isso, era um fracasso com as garotas, sofria de todo tipo de fobia imaginável e se tornou alcoólatra (até recentemente sofria com o vício, mas com a ajuda da esposa, está sóbrio há 5 anos). Mas justamente em um país em que a ordem era deixar a individualidade de lado, Flake acabou se destacando de forma positiva; caso vivesse no lado ocidental, provavelmente não teria sido mais que um nerd. Os punks eram bem-vistos na época, especialmente pela classe operária: eram admirados pela atitude não-conformista e ousada.
Flake chegou a tentar estudar medicina, mas como para tal teria que prestar serviço militar e morria de medo de sofrer ainda mais bullying – desta vez não por parte dos colegas de escola, mas dos militares – acabou desistindo. Vindo de uma família musical – seu irmão também era músico e seu pai era um fã de jazz sempre em companhia dos artistas da época, além de catar vinis no lixo – a vida como músico acabou sendo a opção do jovem Flake, que mal imaginava que entraria para a história em uma das bandas de maior sucesso do mundo.
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Além do saudosismo da época da Alemanha Oriental, Flake nutre um profundo desprezo pela Alemanha capitalista pós-muro, e não é para menos: ludibriado por consultores financeiros desonestos e tendo sido sócio de uma firma de aluguel de carros antigos que fracassou, Flake perdeu quase tudo o que ganhou com o Rammstein, e vive uma vida simples onde sempre viveu, o bairro boêmio do Prenzlauer Berg, em Berlim.
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