A vida para Eric Clapton nem sempre foi um mar de rosas, repleto de fama, sucesso e prestĂgio. Quem teve a oportunidade ler a sua autobiografia (lançada no Brasil, pela Editora Planeta), pĂ´de aferir que o processo que antecedeu a sua carreira de cultuado guitarrista, nĂŁo fora nada fácil.
A autobiografia retrata o lado humano de um artista reverenciado em todo o mundo, e nos faz perceber que não somos nada além de seres humanos falhos e em constante desenvolvimento, o que corrobora para que compreendamos que o ato mais importante da vida é cultivar sentimentos profundos e valorizar o postos preenchidos pelas pessoas que estão ao nosso redor.
Antes do fenĂ´meno “Clapton is God” tornar-se um chavĂŁo corriqueiro na vida do guitarrista, o jovem britânico Eric Patrick Clapton, enfrentou inĂşmeros obstáculos durante a infância, e a sinceridade visceral com que o mesmo expõe estas mazelas, Ă© o ingrediente principal do best-seller.
Com 70 anos completados no Ăşltimo dia 30 de março, Clapton já recebeu uma quantidade imensurável de homenagens, e Ă© considerado hour concour quando o assunto Ă© o domĂnio sob as seis cordas.
Dotado de um talento inquestionável, e um senso poĂ©tico para compor trilhas sonoras que fizeram e ainda fazem parte da vida de milhares de pessoas espelhadas por todo o globo terrestre, Clapton Ă© frequentemente vinculado ao rock n’ roll. PorĂ©m, o guitarrista Ă© muito mais do que isto. Clapton tambĂ©m Ă© cultuado entre fĂŁs de outras vertentes, como de reggae, pop, jazz e, principalmente, o blues.
Em sua biografia, Clapton revela circunstâncias extremamente Ăntimas e sensĂveis sobre todas as fases de sua vida, incluindo a infância difĂcil vivida em Ripley (Surrey – ENG).
Em decorrĂŞncia da Segunda Guerra Mundial, a economia mundial passou por uma crise econĂ´mica e financeira estarrecedora, e a famĂlia de Claton nĂŁo passou imune ao fato. Habitante de uma pacata cidade do interior da Inglaterra, Clapton era oriundo de uma famĂlia que vivia Ă s margens da pobreza extrema.
O pequeno “Ric” (apelido carinho que recebeu de sua famĂlia), sentia-se diferente diante dos seus familiares, e rotineiramente os viam tendo conversas misteriosas sobre o garoto.
Clapton acreditava ser filho de Jack e Rose Clapp, porém, mais tarde descobriu que a sua mãe biológica era, na verdade, Patricia Clapp, filha de Rose.
Patricia abandonou o filho, alegando que era muito jovem para assumir tal responsabilidade. A jovem havia sido abandonada pelo marido Edward, que quando soube de sua gravidez, tratou de enfatizar que nĂŁo assumiria o filho de forma alguma. E a medida em que o jovem Clapton crescia, ficava cada vez mais difĂcil esconder a verdade do rapaz.
Há de se salientar que o talento de Clapton para mĂşsica Ă© proveniente das origens de seu pai biolĂłgico. Edward era um grande pianista, tendo conhecido Patricia em um bar, onde se apresentava ao lado de sua banda. Edward serviu a aeronáutica durante a Segunda Guerra Mundial, atĂ© que em 1944, o paĂs fora tomado pelas tropas canadenses.
Eventualmente, Clapton e Patricia foram apresentados. No inĂcio Clapton acreditava que a jovem era sua irmĂŁ. A hipĂłtese dela ser sua mĂŁe nĂŁo passava pela sua cabeça.
Ao descobrir a verdade, Clapton ficou possesso e tornou-se um adolescente reprimido, misantropo e preso Ă sua prĂłpria mente. PorĂ©m, posteriormente, compreendeu o ponto de vista de sua famĂlia, mas ainda sentia-se isolado e solitário em seu prĂłprio ambiente familiar.
Quando Patricia desembarcou de uma viagem para rever os pais, o jovem Clapton esperava que sua mĂŁe tentasse restaurar o vĂnculo entre ambos e dissesse que estava arrependida de tĂŞ-lo abandonado. Incomodada com a situação, Patricia, nĂŁo apenas ignorou o jovem, como exigiu que o mesmo continuasse tratando seus avĂłs como pais biolĂłgicos.
Perguntada pelo filho se podia ser chamada de “mĂŁe”, ela foi enfática: “Eu nĂŁo sou sua mĂŁe, nĂŁo me chame de mĂŁe”.
A angústia do garoto era tão notória, que ele criou um personagem imaginário chamado “Johnny Malingo”, e apegava-se com todas as suas forças em seu único amigo, um cachorro labrador chamado “Prince”.
Quando encarnava “Johnny Malingo”, Clapton enxergava-se como um “cidadĂŁo do mundo”, mais leviano e corajoso do que a mĂ©dia. Em suas aventurar imaginárias, era acompanhado pelo cavalinho “Bushbranch”.
O pequeno “Ric” criava estes momento ilusĂłrias para escapar da dura realidade que o assolava. Clapton sentia-se fora dos padrões convencionais da sociedade, tendo dificuldade pra encaixar-se em grupos sociais na escola.
Eric sentia-se frustrado, irritado e rejeitado, tendo desenvolvido traços psicolĂłgicos de depressĂŁo profunda. Mas aos poucos, percebeu que talvez tenha sido melhor assim, já que seus avĂłs lhe deram mais amor e afeto do que a sua mĂŁe poderia ter lhe dado. A Ăşnica coisa que importava para Clapton Ă© que, exceção feita a sua mĂŁe, toda a sua famĂlia lhe oferecia um amor fraternal imensurável.
Além de contextualizar a infância, em sua biografia, Clapton também revela influências, parceiros, decepções, conquistas, traumas, etc.
A obra tambĂ©m aborda os seus perĂodos de dependĂŞncia quĂmica, que quase o levou a morte, alĂ©m de demonstrar como a perda de seu filho, fora definitiva para que Clapton se reerguesse. É provável que se esta tragĂ©dia nĂŁo tivesse ocorrido, Eric jamais tivesse encontrado a motivação necessária para abandonar os vĂcios. Nestas circunstâncias, provavelmente, já terĂamos perdido Clapton para outra dimensĂŁo.
Mas, e a expressĂŁo “Clapton is God”, onde surgiu?
Esta expressão é oriunda de meados dos anos 60, quando alguns fãs picharam esses dizeres em alguns muros de Londres, tamanha devoção que os mesmo nutriam pela virtuose de Clapton.
Se Eric Clapton Ă© Deus ou nĂŁo, eu nĂŁo sei. Mas a sua biografia mostra-nos, como pouquĂssimos outros relatos, o seu lado humano. As suas qualidades, defeitos, falhas e acertos. Está tudo ali, explĂcito e enraizado em cada parágrafo, em cada página.
É um testemunho que vai muito alĂ©m da áurea artĂstica que paira sobre ele, porque a vida de um mĂşsico nĂŁo Ă© apenas subir no palco, e sim representar um outro ser humano por meio de uma mensagem, ou atĂ© mesmo um Deus, repleto de devotos espalhados por todo o planeta.