Pouco antes de vir ao Brasil recentemente falei com o guitarrista (eterno Guns N’Roses) por telefone. Tá aí a transcrição da conversa.
É comum que, quando um artista lança um álbum diga ser o seu “melhor disco até o momento”. Com “World On Fire”, não vou lhe perguntar isso, vou afirmar: É seu melhor álbum até agora. Então, o que teve de diferente no processo que contribuiu na produção de um disco tão bom?
Slash: Obrigado! Mas eu não acho, necessariamente, que tenha algo de diferente no processo. Sabe, a banda com a qual eu trabalho criou a oportunidade de me permitir fazer o que quisesse. Myles (Kennedy) é um cantor fantástico, escrevi a melhor música possível para esse disco e nunca vou esquecer como foi bom o processo. Nós trabalhamos muito duro. Com o complemento de Todd (Kerns, baixista), é uma banda ótima, todos nós trabalhamos juntos agora. Nós começamos a nos sentir muito confortáveis compondo coisas e eu estou muito animado para fazer o próximo agora!
Eu estou trabalhando em um novo material. Nós meio que atingimos uma zona de conforto, onde conseguimos fazer o que quisermos.
Slash: Eu quero mesmo falar com você sobre essa zona de conforto, porque você sempre esteve rodeado por artistas, fama e personagens conhecidos, como seus pais (ambos artistas), David Bowie (que foi namorado da mãe de Slash), Ringo Starr e John Lennon (para quem a mãe de Slash criou figurinos). Você se tornou uma estrela do rock ainda muito novo. Então, toda a sua vida está ligada a esse universo mainstream. Mas, ouvindo “World on Fire”, e pensando na perspectiva do seu legado musical, me parece que você está bastante confortável com sua vida agora, não colocando muita pressão nos seus ombros e compondo exatamente o som que você quer ouvir. Estou certo?
S: Não. Quero dizer, eu não sei. Eu realmente não pensei sobre isso tudo. A verdade é que me sinto confortável com as pessoas com quem trabalho, com os músicos com quem toco e me sinto confortável na minha própria pele. Eu penso: “Eu sei qual é minha capacidade e o que quero fazer”. Eu não tenho ninguém para me falar o contrário, ou olhando por cima do meu ombro e influenciando no que eu quero fazer. Então, eu me sinto muito feliz por conseguir fazer exatamente o que sinto vontade de fazer.
E eu tenho… Porque um movimento do Rock como… Ná, na verdade não existe nenhum grande movimento do rock acontecendo neste momento.
Eu meio que gosto de estar no tipo de coisa que eu faço, não é todo mundo que consegue fazer isso, ficar com a mesma banda por muitos anos, com fãs incríveis pelo mundo. E eu sinto que, contanto que o rock´n´roll esteja em pauta, há uma legião lá fora que ainda carrega a bandeira sabe? Eu me sinto orgulhoso por fazer parte dessa pequena comunidade.
E, falando sobre o line-up, é fácil para você chamar a pessoa que quiser para tocar e gravar com você, como fez no seu primeiro álbum solo, cinco anos atrás (Ozzy, Iggy Pop, Lemmy, Fergie e vários outros participaram do álbum de 2010). Este line-up, The Conspirators, é o line-up ideal para sua banda ou você projeta algum time dos sonhos na sua cabeça?
Slash: Não, este é um desses line-ups em que tudo está conectado, sabe? Eu já toquei com grandes músicos, mas pode não acontecer necessariamente aquela química mágica como um coletivo. É muito difícil descobrir! E, com esses caras, tem sido diferente desde o começo, desde a primeira semana que nós os assistimos tocando juntos, há uma sinergia natural entre nós. Então, isso é algo que eu sei quão difícil é de encontrar e só aconteceu comigo poucas vezes, e quando você encontra tem de segurar isso, tem de ser agradecido e coisas assim. Então, não, eu não estou necessariamente procurando por nenhuma outra coisa.
Você nasceu e cresceu, não cresceu, mas viveu na Inglaterra por um bom tempo. Você é o retrato perfeito da Sunset Strip, a cara de Los Angeles nos anos 80 e 90. Você se vê como um músico inglês ou com influências britânicas de alguma forma?
Slash: Sim, totalmente! Porque eu fui criado com rock inglês durante todo o tempo em que morei na Inglaterra. Na verdade, era só o que meu eu pai e meus dois tios ouviam. Rolling Stones, The Kinks, The Yardbirds, Beatles, Cream, Gene Vincent, assim como tudo o que era rock britânico, havia fãs de hardcore e rock onde eu fui criado. Quando eu vim para os Estados Unidos, eu vivi por muito tempo a experiência com rock’n’roll norte-americano, porque minha mãe, sendo americana, curtia The Doors, Stevie Wonder, Jimmy Cliff, Linda Lovenstein e todos esses artistas diferentes. Teve também o Led Zeppelin e nós tínhamos uma grande biblioteca musical na América, mas minhas raízes são inglesas. Então, quando comecei a tocar guitarra, todos os meus guitarristas favoritos costumavam ser de outros países, não norte-americanos. E isso meio que me fez um pouco diferente dos meus colegas vindos de Los Angeles, porque todas as influências que tinham era Eddie Van Halen e, majoritariamente, guitarristas da América. Então eu tive uma influência bem diferente.
Falando sobre nacionalidade, você provavelmente não sabe, mas é uma parte muito importante no cenário musical brasileiro, desde o seu show aqui em 1991, no Rock in Rio. Guns n’ Roses era a maior banda do mundo naquela época e o Brasil estava começando seu grande momento em receber shows internacionais. Até hoje, 25 anos depois, as pessoas ainda se referem àquele show como um dos eventos musicais mais significantes desde sempre por aqui. Você tem ciência sobre seu legado na música?
Slash: Não estava ciente sobre esse show em particular tanto assim. Mas uma coisa para mim é que aquela experiência, de estar no Brasil pela primeira vez, foi provavelmente uma das experiências rock’n’roll mais influentes na minha carreira. E essa é uma das razões porque ir ao Brasil é sempre muito, muito importante. Acho que isso é tão importante para mim quanto é para qualquer um que, bem, nós influenciamos — vai nos dois sentidos.
E você tem alguma outra memória do Brasil, das vezes em que você esteve aqui? Memórias especiais.
Slash: O mais importante é que tivemos tantos shows ótimos e ótimo público, que eu me lembre. Mas também tive grandes momentos apenas passeando. Mas, realmente, o mais importante é ter aqueles shows memoráveis, onde a conexão com a banda e o público é tão forte.
Você provavelmente vai recusar o título, em respeito à pessoa. Mas você é o último grande guitar hero, meio que o Jimmy Page da sua geração e também me lembro, no seu livro, você contando a história do filho de um amigo que o reconheceu como o “guitar hero” do jogo. Como você se vê no espelho quando acorda?
Slash: Sabe, eu não tenho essa perspectiva. Eu trabalho bastante, estou sempre trabalhando e fazendo qualquer coisa eu precise fazer, sabe, organizando turnês e sessões de gravação, ou ensaiando, escrevendo ou qualquer coisa. Então, não tenho esse tipo de perspectiva em que eu me vejo como um guru da guitarra. Quero dizer, isso é lisonjeador. Mas eu não sou esse tipo de cara que… que é um “hype”. Para mim é bem normal, eu apenas faço o que faço, mas eu agradeço ser reconhecido por qualquer coisa relacionada à música. Mas isso não significa que eu me sinta como se eu pisasse nas morais. Eu sei meus pontos baixos.
Você já fez de tudo na música, tocou com Michael Jackson, você tocou com Lenny Kravitz, você tocou com Carole King, praticamente fez tudo de A à Z. Tem alguma história que você poderia compartilhar, exclusiva e curiosa dessas três décadas? Algo que você goste de lembrar como seu ponto mais alto na música?
Slash: Eu adoraria te dar uma resposta para isso. Eu não tenho um ponto mais alto em particular, eu tenho muitos bons momentos, mas também tenho muitos momentos baixos. Mas é tudo parte da experiência de vida, da experiência de aprender sobre meu próprio ofício como guitarrista. Quero dizer, tem tantas experiências positivas que eu posso descrever…
Estamos chegando ao final da entrevista, eu gostaria de lhe fazer apenas mais uma pergunta. O que você tem escutado hoje em dia que poderia recomendar?
Slash: Vejamos, muito metal. O único subgênero do rock’n’roll que não foi afetado seriamente pela indústria musical moderna ou contemporânea. Muitas delas [dessas bandas de metal] tem sido bastante criativas, eu amo o novo álbum do Machine Head, Gojira, Lamb of God, eu amo Mastodon. Então, tem muita coisa legal acontecendo. Contanto que novas músicas de rock´n´roll apareçam. A única banda (da antiga) que tem criado novos álbuns que eu realmente curto é o AC/DC, a música deles tem 50 anos! Não tem muita coisa nova acontecendo no cenário do rock, quer dizer, tem uma banda chamada Monster Truck, com quem fiz uma turnê e é muito, muito boa. Mas muita gente não os conhece, porque a indústria moderna não os reconhece, assim como a um monte de outras bandas, o que é uma pena devido ao modo como as coisas estão agora.
Então, tenho ouvido muito metal e as músicas que sempre ouvi. Nos últimos dias, tenho ouvido bastante blues, mas isso muda de dia para dia.