Genesis: O apocalipse da era Gabriel
O lançamento do duplo The Lamb Lies Down on Broadway (1974), que alcançou o décimo lugar nas paradas inglesas, cumpriu a promessa de obra-prima quase irretocável indicada pelo progresso dos álbuns anteriores.
A banda resolvera trabalhar num álbum conceitual, formato quase obrigatĂłrio entre bandas de rock progressivo, que geralmente escolhiam temas mĂticos, de ficção cientĂfica ou de velhos, exĂłticos e/ou obscuros registros histĂłricos para compor obras grandiloquentes.
Mike Rutherford planejara uma Ăłpera-rock baseada no Pequeno PrĂncipe, mas foi antagonizado por Peter Gabriel, que tencionava seguir rumo diametralmente distinto: a histĂłria de Rael – pseudo-anagrama de seu sobrenome – um porto-riquenho vivendo em Nova York e que desce aos subterrâneos da metrĂłpole em busca de seu irmĂŁo John (ou seria Ă procura de outra parte de sua prĂłpria personalidade?). Uma histĂłria com protagonista terceiro-mundista no rarefeito mundo do prog rock parece revolucionário Ă princĂpio e atĂ© Ă© um pouco. Mas, a morenice e punkice da personagem logo dĂŁo lugar a um emaranhado de referĂŞncias gregas, freudianas e de cultura de massa, quando o jovem se depara com as temĂveis aventuras no sub-solo da Grande Maçã.
Gabriel escreveu todas as letras, isolado dos demais. A tensĂŁo na banda galgava topos. Decorrentes de sessões de análise, sonhos, experiĂŞncias mediĂşnicas, um vasto cabedal de informações jornalĂsticas e literárias e o que mais Gabriel estivesse tomando na Ă©poca, as letras tĂŞm mantido fĂŁs ocupados há quase 40 anos, tentando decifrar cada referĂŞncia. Há muita coisa escrita sobre cada canção de The Lamb Lies Down on Broadway, tipo de álbum que divide fĂŁs e deixa alguns obcecados. Freud, Marshall McLuhan, Keats, trocadilhos (inĂşmeros) e atĂ© Burt Bacharach sĂŁo a ponta dum iceberg quilomĂ©trico de alusões, duplos sentidos e obscuridades nos textos gabriĂ©licos.
O show de divulgação de foi uma extravaganza com slides, explosões, luz estroboscĂłpica e muitas trocas de roupas do vocalista pra encarnar as distintas personagens. As vinhetas e faixas instrumentais foram pensadas como intervalos para as trocas. Rock no hemisfĂ©rio norte sempre foi negĂłcio levado a sĂ©rio e muito profissional. Com toda essa parafernália, a atenção destinava-se cada vez mais ao cantor – visto como “lĂder” do Genesis – desgastando ainda mais o relacionamento entre os mĂşsicos.
Todo mundo está no topo da forma. Peter canta como nunca em tantas vozes tĂŁo diferentes! O cara vai do doce ao gutural, do grave ao agudo, da voz “natural” aos vocais tratados tecnologicamente. Ajuda muito que o timbre de Phil Collins seja bastante similar, pois as harmonias e vocalizações atingem momentos sublimes, basta conferir Counting Out Time, de matriz beatlemanĂaca.
A guitarra de Steve Hackett vai dos tons orientalizados da rastejante Fly On a Windshield ao solo derrete-coração e arrepia-pelo de Silent Sorrow in Empty Boats.
Tony Banks deixa o Mellotron de lado e toca bastante piano, mas a enxurrada caudalosa de teclados que faz a alegria de certos fãs de prog corre solta nos solos de Riding the Scree e In The Cage (com sua citação discreta a Burt Bacharach).
Phil Collins certamente deu bom passo para detonar seus pulsos tocando os achados percussivos, que ora pulsam com energia detonante, ora têm tom discreto, mas, junto com o baixo de Mike Rutherford compõem uma cozinha que poucas bandas tiveram com tal qualidade e criatividade. Basta ouvir The Grand Parade of Lifeless Packaging.
O som pastoral dos álbuns anteriores, de modo geral, cede lugar a uma sonoridade mais rock. Em The Waiting Room, a banda ensaia até uma sonoridade meio space, meio ambient, meio psicodélica, graças a Brian Eno. Nada que o Nektar não tivesse feito. Meus 3 minutos desfavoritos entre quase 95 de música intensa.
Em retrospecto, aquela formação parece que atingira o auge de sua criatividade em The Lamb Lies Down on Broadway. Para onde ir depois da obra-prima sempre presente nas listas de melhores álbuns conceituais?
Tensões, problemas pessoais e a vontade de seguir caminhos diferentes afastavam Gabriel cada vez mais dos demais membros. Por um par de semanas, durante a prĂ©-produção de The Lamb, o vocalista-letrista ensaiou uma saĂda do grupo e foi aos EUA trabalhar na trilha-sonora do que seria um filme de William Friedkin, entĂŁo todo-poderoso devido ao megassucesso O Exorcista. Depois de dar com os burros n’água, voltou com o rabinho entre as pernas pra Inglaterra.
Mas, o vaso já estava trincado e depois do último show da turnê, na cidade francesa de Besançon, Peter Gabriel tornou público o seu desligamento.
Fim de uma era e perĂodo de incerteza. Embora todos fossem excelentes mĂşsicos, os holofotes estavam sobre Gabriel e, para muitos, Collins, Banks, Rutherford e Hackett nĂŁo passavam de mĂşsicos de apoio. Mister achar novo vocalista, mas quem poderia substituir o carisma de Peter Gabriel? Quase todo mundo apostava no apocalipse do Genesis.
Tracklist:
Disco 1
1. The Lamb Lies Down on Broadway (4:50)
2. Fly on a Windshield (4:23)
3. Broadway Melody of 1974 (0:33)
4. Cuckoo Cocoon (2:11)
5. In the Cage (8:15)
6. The Grand Parade of Lifeless Packaging (2:45)
7. Back in N.Y.C. (5:42)
8. Hairless Heart (2:13)
9. Counting Out Time (3:42)
10. The Carpet Crawlers (5:15)
11. The Chamber of 32 Doors (5:40)
Disco 2 time: 48:49
1. Lillywhite Lilith (2:42)
2. The Waiting Room (5:24)
3. Anyway (3:07)
4. The Supernatural Anaesthetist (2:59)
5. The Lamia (6:57)
6. Silent Sorrow in Empty Boats (3:07)
7. Colony of Slippermen (8:13)
a) The Arrival
b) A Visit to the Doktor
c) Raven
8. Ravine (2:04)
9. The Light Dies Down on Broadway (3:32)
10. Riding the Scree (3:57)
11. In the Rapids (2:26)
12. It. (4:15)